segunda-feira, 31 de maio de 2010

JÓTY, O TAMANDUÁ

Texto e ilustrações > Mauricio Negro e Vãngri Kaingáng
* Peça o livro pela Global Editora


Jóty, le tamanoir
Em francês (col. P'tit Cipango)

A sabedoria sempre acompanhou o povo Kaingáng, que descende de duas metades criadoras diferentes: Kanhru e Kamé. Uma delas rege o Sol e todas as criaturas do dia. E a outra, a Lua e todos os seres da noite. Para que a vida faça sentido, os opostos devem se unir. Por isso, tempos atrás, os Kaingáng decidiram casar suas metades. Casamentos, de fato, aconteceram. Ninguém queria ficar incompleto.
Mas, faltou festa!


Os Kaingáng já tinham muitos conhecimentos sobre suas origens, plantas e animais. Vãngri Kaingáng e Mauricio Negro recontam, através de palavras e pinturas acrílicas feitas à quatro mãos, como os Kaingáng conseguiram aprender os segredos do canto, da dança e da música para celebrar a união harmoniosa entre as metades.

Os Kaingáng vivem em mais de trinta Terras Indígenas, distribuídas em quatro estados brasileiros do sul e do sudeste, que representam apenas uma pequena parte de seus territórios tradicionais. Foram pelos europeus contatados já no séc. XVI. Mas a partir do séc. XVIII, suas terras foram cobiçadas e invadidas. Apesar disso, os Kaingáng mantém hoje sua estrutura social, crenças, rituais, arte, mitos, saberes e identidade. Parte dessa riqueza está registrada no livro.

As ilustrações desse reconto tradicional foram feitas a partir de quatro telas pintadas com tinta acrílica pelos autores, ao vivo, durante uma performance artística na Feira de Literatura Indígena de Mato Grosso (FLIMT), em 2009. Outros elementos visuais, como os grafismos tradicionais Kaingáng e alguns adereços confeccionados por Vãngri Kaingáng, também foram explorados poeticamente no contexto do projeto gráfico e das ilustrações. JÓTY, O TAMANDUÁ inaugura oficialmente a Coleção Muiraquitãs, pela Global Editora. E foi elaborado para todo e qualquer leitor, interessado em conhecer a percepção holística dos Kaingáng sobre a vida, a natureza e a música.


Com uma certa dose da amargor, Vãngri Kaingáng concedeu uma entrevista à antropóloga e escritora Deborah Goldemberg sobre o impacto da interferência humana no planeta. Vale considerar que os Kaingáng, entre os mais populosos povos indígenas, mantém contato com os não indígenas há séculos e muito já sofreram com o processo de degradação ambiental em seus territórios.



Literatura Indígena: de que se trata?

Já afirmou meu amigo Daniel Munduruku, com quem partilhei o desafio de adaptar o célebre discurso do Chefe Seattle no livro A palavra do grande chefe (Global Editora, 2009), que o fio entre a escrita e a oralidade é muito tênue. A trajetória da chamada literatura indígena é muito recente, ainda que já existam vários escritores indígenas com publicações editadas no Brasil e no exterior. Contudo, a memória ancestral dos 230 diferentes povos nativos, falantes de 180 línguas e dialetos, é muito vasta e ainda pouco registrada em papel. Parece ser fundamental para a sobrevivência da narrativa oral que todo o repertório dessas etnias seja transcrito. Com o domínio gradual da técnica literária, manejo da língua oficial e tecnologias disponíveis, o escritor indígena tem uma nova missão. Demonstrar que a escrita pode ser uma aliada da oralidade.

Uma ideia sobre a Literatura Indígena, para além das convenções culturais, precisa ser compreendida de uma forma mais ampla. Narrativas orais insinuam-se pelo som dos maracás, na fala hipnótica dos pajés, na pintura e expressão corporal, na disposição dos adornos plumários, na fumaça ascendente do caximbo e nas interpretações ao pé da fogueira. Tudo isso é literatura indígena. O território nativo da narrativa tem outras grandezas.

Olivio Jekupé(escritor), Álvaro Tukano e Manoel Moura Tukano (líderes tradicionais)

Tridimensional, performática, cênica, mágica, atemporal e envolvente. Para que toda essa riqueza possa migrar da tradição original para a bidimensionalidade do papel, seja no texto ou na representação gráfica, será sempre necessário que cada escritor (ou ilustrador) saiba manejar com certa destreza os recursos das duas tradições. E aí testemunharemos uma produção rica e diversa. Logo abaixo, um depoimento do pajé Manoel Moura Tukano. Um ótimo exemplo da visão narrativa, circular e bioética dos povos autóctones.