terça-feira, 7 de dezembro de 2010

POR DENTRO DO ESCURO

Está em fase de produção esta história de ficção, de Arthur Shaker, baseada nas narrativas de Os Senhores da Criação do Mundo Xavante - Rómraréhã Rówasu'u, a ser lançado também pela Global Editora, pela Coleção Visões Indígenas. Esse rico projeto, organizado por Arthur Shaker – escritor, etnólogo, cientista político, professor e músico – reúne as narrativas tradicionais dos A'uwe Uptabi (Xavante), narradas pelos velhos contadores, seus tradutores e toda a comunidade Xavante da aldeia de Pimentel Barbosa. Portanto, fruto de esforço coletivo pela preservação da memória Xavante. Por sua vez, este POR DENTRO DO ESCURO, contará com a colaboração da artista plástica e autora-ilustradora Cynthia Cruttenden, que está mergulhada no universo da narrativa, criando suas delicadas monotipias monocromáticas. Postei aqui apenas um esboço de página dupla. Só para criar suspense em Xavante ou warazu (branco).

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Saída: SÃO PAULO / Destino: TEKOA

Está também em produção o próximo livro do escritor Olívio Jekupé: TEKOA, CONHECENDO UMA ALDEIA INDÍGENA, segunda obra da Coleção Muiraquitãs, pela Global Editora.A segunda ita-tuxaua, ou pedra de chefe, desta coleção. De maneira mais simbólica do que descritiva ou realista, ilustrei a história de um menino da cidade que passa um mês entre os Guarani. Na narrativa construída com delicadeza pelo autor, há um paralelo entre a urbanidade paulistana e a vida na aldeia TEKOA (pronuncia-se como oxítona). Entre outras coisas, revela os valores físicos e metafísicos de uma aldeia. Onde o povo Guarani vive conforme suas próprias tradições, leis, costumes e princípios. Traço de identidade, assim como a própria língua.

Por falar em língua, confira a primeira edição on line da Revista Pessoa. Fui convidado pela editora Mirna Queiroz a colaborar. Em homenagem ao escritor Olívio Jekupé e aos Guarani – bem como ao livro TEKOA, CONHECENDO UMA ALDEIA INDÍGENA, que será lançado pela Global Editora em 2011 – preparei um breve poema publicado nas páginas 45 e 46. Recomendo a visita ao site da Revista Pessoa, que ambiciona conectar os 250 mihões de habitantes da comunidade lusófona, dispersa pela África, Europa, Ásia e América.

Muiraquitãs ou mbïraki'tã?

Muiraquitãs, assim no plural, em nome de origem indígena? Diferente do português, não se usa a letra "s" para indicar o plural nas diversas línguas indígenas. Por sinal, também prefiro dizer: os Guarani, os Kaingang, os Munduruku. Por conta também da vivência coletiva dos povos indígenas, que têm uma maneira singular de ser plural.

Segundo José de Souza Martins, sociólogo e estudioso de cultura popular, o "falar errado" do caipira precisa ser esclarecido. É uma variação dialetal da língua portuguesa, fortemente influenciada pelo nheengatu ou língua geral. O nheengatu é o tupi pelos jesuítas submetido às regras da gramática da língua portuguesa, com a inclusão de algumas palavras espanholas. Quando o Brasil era colônia de Portugal e Espanha, durante a unificação das Coroas entre 1580 e 1640, a população falava o nheengatu. Já a fala do caipira mistura o nheengatu e o português. Em São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, o nheengatu é língua oficial, junto com o português e o espanhol.

Os jesuítas adotaram o tupi como base para elaboração do nheengatu, pois foi a provável primeira língua que conheceram no Brasil e a mais falada entre os povos da costa. Depois o disseminaram pelo trabalho missionário, mesmo entre povos de outros troncos linguísticos. E assim unificaram linguisticamente etnias que usavam variantes do tupi. E formalizaram sua escrita. Após a proibição do rei de Portugal no século XVIII, o dialeto caipira apenas resistiu no interior, onde era menor a repressão linguística.

É caipira a mais típica fala paulista. Quando os colonos aqui chegaram, seguiram a mesma toada, pois os italianos também não usam o "s" ao final da palavra como um indicativo do plural.

Muiraquitãs, portanto, está grafado em sua forma aportuguesada, que pode soar estranho ao ouvido indígena. Do tupi, mbïra (verruga da madeira, pau ou árvore) e quitã (pau ou árvore). O original – mbïraki'tã ou muyrakitã – poderia, contudo, trazer dificuldades ao leitor não indígena.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

JÓTY, O TAMANDUÁ, PELAS TRILHAS

Além do lançamento propriamente dito, que aconteceu na sexta-feira 13 de agosto no estande da Editora Global, o livro JÓTY, O TAMANDUÁ também foi o centro das atenções no Espaço da Leitura / FNDE-MEC, durante a 21ª Bienal Internacional do Livro em São Paulo. A convite do FNDE e da Estação das Letras, conversei com o público presente sobre ilustração, literatura, arte, identidade e diversidade. E apresentei a inspiradora narrativa tradicional Kaingáng, escrita e ilustrada em parceria com Vãngri Kaingáng, que inaugura a Coleção Muiraquitãs da Global Editora.


Uma das ilustrações de JÓTY, O TAMANDUÁ timbra a capa desta edição especial da EDUCAÇÃO EM LINHA, cujo rico conteúdo pode ser conhecido aqui. Nosso JÓTY está entre as obras recomendadas na página 59. Assim como A MULHER LESMA, A CAVEIRA ROLANTE E OUTRAS HISTÓRIAS INDÍGENAS DE ASSUSTAR, de Daniel Munduruku, que ilustrei com pirogravuras, pigmentos naturais, pipoca, palha de miolo, paina e outros materiais.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

JÓTY, O TAMANDUÁ

Texto e ilustrações > Mauricio Negro e Vãngri Kaingáng
* Peça o livro pela Global Editora


Jóty, le tamanoir
Em francês (col. P'tit Cipango)

A sabedoria sempre acompanhou o povo Kaingáng, que descende de duas metades criadoras diferentes: Kanhru e Kamé. Uma delas rege o Sol e todas as criaturas do dia. E a outra, a Lua e todos os seres da noite. Para que a vida faça sentido, os opostos devem se unir. Por isso, tempos atrás, os Kaingáng decidiram casar suas metades. Casamentos, de fato, aconteceram. Ninguém queria ficar incompleto.
Mas, faltou festa!


Os Kaingáng já tinham muitos conhecimentos sobre suas origens, plantas e animais. Vãngri Kaingáng e Mauricio Negro recontam, através de palavras e pinturas acrílicas feitas à quatro mãos, como os Kaingáng conseguiram aprender os segredos do canto, da dança e da música para celebrar a união harmoniosa entre as metades.

Os Kaingáng vivem em mais de trinta Terras Indígenas, distribuídas em quatro estados brasileiros do sul e do sudeste, que representam apenas uma pequena parte de seus territórios tradicionais. Foram pelos europeus contatados já no séc. XVI. Mas a partir do séc. XVIII, suas terras foram cobiçadas e invadidas. Apesar disso, os Kaingáng mantém hoje sua estrutura social, crenças, rituais, arte, mitos, saberes e identidade. Parte dessa riqueza está registrada no livro.

As ilustrações desse reconto tradicional foram feitas a partir de quatro telas pintadas com tinta acrílica pelos autores, ao vivo, durante uma performance artística na Feira de Literatura Indígena de Mato Grosso (FLIMT), em 2009. Outros elementos visuais, como os grafismos tradicionais Kaingáng e alguns adereços confeccionados por Vãngri Kaingáng, também foram explorados poeticamente no contexto do projeto gráfico e das ilustrações. JÓTY, O TAMANDUÁ inaugura oficialmente a Coleção Muiraquitãs, pela Global Editora. E foi elaborado para todo e qualquer leitor, interessado em conhecer a percepção holística dos Kaingáng sobre a vida, a natureza e a música.


Com uma certa dose da amargor, Vãngri Kaingáng concedeu uma entrevista à antropóloga e escritora Deborah Goldemberg sobre o impacto da interferência humana no planeta. Vale considerar que os Kaingáng, entre os mais populosos povos indígenas, mantém contato com os não indígenas há séculos e muito já sofreram com o processo de degradação ambiental em seus territórios.



Literatura Indígena: de que se trata?

Já afirmou meu amigo Daniel Munduruku, com quem partilhei o desafio de adaptar o célebre discurso do Chefe Seattle no livro A palavra do grande chefe (Global Editora, 2009), que o fio entre a escrita e a oralidade é muito tênue. A trajetória da chamada literatura indígena é muito recente, ainda que já existam vários escritores indígenas com publicações editadas no Brasil e no exterior. Contudo, a memória ancestral dos 230 diferentes povos nativos, falantes de 180 línguas e dialetos, é muito vasta e ainda pouco registrada em papel. Parece ser fundamental para a sobrevivência da narrativa oral que todo o repertório dessas etnias seja transcrito. Com o domínio gradual da técnica literária, manejo da língua oficial e tecnologias disponíveis, o escritor indígena tem uma nova missão. Demonstrar que a escrita pode ser uma aliada da oralidade.

Uma ideia sobre a Literatura Indígena, para além das convenções culturais, precisa ser compreendida de uma forma mais ampla. Narrativas orais insinuam-se pelo som dos maracás, na fala hipnótica dos pajés, na pintura e expressão corporal, na disposição dos adornos plumários, na fumaça ascendente do caximbo e nas interpretações ao pé da fogueira. Tudo isso é literatura indígena. O território nativo da narrativa tem outras grandezas.

Olivio Jekupé(escritor), Álvaro Tukano e Manoel Moura Tukano (líderes tradicionais)

Tridimensional, performática, cênica, mágica, atemporal e envolvente. Para que toda essa riqueza possa migrar da tradição original para a bidimensionalidade do papel, seja no texto ou na representação gráfica, será sempre necessário que cada escritor (ou ilustrador) saiba manejar com certa destreza os recursos das duas tradições. E aí testemunharemos uma produção rica e diversa. Logo abaixo, um depoimento do pajé Manoel Moura Tukano. Um ótimo exemplo da visão narrativa, circular e bioética dos povos autóctones.